CHEGOU O OUTONO VAMOS AOS "TARALHÕES" Todos os anos sem excepção logo que o Verão chegava ao fim e o tempo
começava a fazer caretas, nós tal como as formigas começávamos a preparar o Inverno, elas procurando encher o mais rápido
possível a sua despensa e nós tentando apanhar as suas rainhas com asas as “agudias”. Logo que encontrávamos o formigueiro
certo vá de pegar na enxada e na picareta e lá íamos nós quais construtores de túneis escavar até onde a força de adolescentes
nos permitia chegar para apanhar as tão desejadas formigas de asas, bem acondicionadas em talos de couve ou cabaças aguardavam
ai até entrarem em acção. A caçada começava a ser preparada na noite anterior, era necessário olear com azeite (tirado
à sucapa da talha da avó), todas as “costelas” para que no dia seguinte nada falhasse. A alvorada era bem cedo, por
volta das seis da manhã, sempre por imposição do Tiním (Diamantino). - Às cinco e meia tou aqui à tua porta, quem não
estiver pronto fica! Avisava o comandante da caçada, eu e o Vítor protestávamos. - Porra às cinco e meia, mas antão
vamos aos taralhões ou aos morcegos? Retorquíamos nós, ele seguro as sua posição de herdeiro dos segredos aprendidos
com os mais velhos ironizava. - Vocês Lisboetas não percebem nada disto, temos de armar as “costelas” antes dos pássaros
acordarem senão eles comem e depois querem lá saber das “agudias”. Aí entornava-se o caldo, se alguém me queria ver zangado
era chamar-me Lisboeta, o Tiním entendia que tinha exagerado e lá nos cedia mais meia hora de sono, não sem antes refilar.
- Tou farto de mariquinhas, quem quer taralhões tem de se levantar cedo. Concluía com voz de quem perdeu uma batalha
mas não a guerra. Seis horas, ainda o Sol não se vislumbrava e já nós estávamos na rua. – Hoje vamos à ribeira acima
pois o meu irmão vai para o ribeiro e ribeira abaixo! Comunicava o General Tiním, entravamos na primeira horta e era
necessário encontrar um “pincho” (local onde seria previsível os pássaros pousarem), uma pequena terraplanagem (rapeiro) era
feita com o pé para a costela ficar direita e para retirar a terra molhada da maresia da noite, ficando assim uma zona com
terra mais clara. - Esta tá pronta, tá a andar! Tó tu vais armar uma naquela videira ó pé da nora e tu Vítor na macieira.
E lá ia cada um para seu lado, “rapeiro” feito havia que tirar uma “agudia” e só uma da cabaça e prende-la habilmente
no fio de cobre da “costela”, de vez em quando ouvia-se um gemido e um porra ou outra coisa pior saía, o riso e o comentário
sarcástico dos outros era imediato. - Dói não dói, eu tava aqui ao lado e a mim nã me doeu nada. Já todos sabíamos
o que tinha acontecido, as mãos meias entorpecidas pelo frio perdiam a agilidade e mobilidade e lá falhava a operação, a "costela"
em vez de pássaros apanhava dedos e mão, e lá ficava a nódoa negra de mais uma “castalhada”, mas nada disso era argumento
para parar era necessário andar rápido porque o dia avançava a passos largos e ainda havia muitas "costelas" para armar. O Sol já ia alto quando voltávamos a casa, mas o tempo para descansar era pouco mais que o tempo de engolir o "desenjum"
e voltar a sair para ir “vê-las”. De volta às hortas aí sim começávamos a recolher os frutos de todo o esforço, um atrás do
outro os "Taralhões" iam entrando no nosso “arameiro” enchendo-nos de orgulho de sermos mais inteligentes que a passarada. Quando regressávamos à aldeia ainda do outro lado da Ribeira eramos recebidos pelos mais pequenos que nos bombardeavam com
perguntas. – Quantos apanharam, apanharam algum Gaio? E Piscos e Galegos? Tu apanhas-te algum Melro?. Mesmo antes de
lhe respondermos a todas as perguntas arrancavam como Galgos até casa para contarem as novidades, e nós quais guerreiros de
volta da guerra imperturbáveis perante a excitação dos mais pequenos escondíamos o nosso entusiasmo e quando as nossas mães
e avós orgulhosas nos elogiavam pela passarada que tínhamos apanhado sentiamo-nos uns homenzinhos. Recordo com muita saudade
estes dias da minha adolescência, saudade dos amigos que vejo muito pouco, saudades dos avós que já partiram para a viagem
eterna, saudades do verde pinhal que desapareceu, saudades das hortas cheias de legumes, das aldeias borbulhando de gente
e os campos de "Taralhões". Talvez tenhamos contribuído para o seu desaparecimento ou não, considero no entanto que
esta era a forma mais justa de os apanhar, ao contrário das armas em que a luta era terrivelmente desigual. Hoje prefiro olha-los
a caça-los, os constantes incêndios e a falta de cultivo das hortas levou-os a escolherem outras paragens, no entanto não
posso deixar de lembrar e partilhar com todos estes momentos que tenho a certeza muitos da minha geração recordam como eu
com saudade. Copiado do Blog Cardigos
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